O maior poeta do carimbó chama-se Lucindo Rebelo da
Costa (1908/1988), mais conhecido como "Mestre Lucindo". Natural de Marapanim (PA) - cidade banhada
pelo rio homônimo e que possui praias belíssimas como Crispim e Algodoal -
Lucindo foi também pescador, cantor, compositor e banjoísta. Liderou durante
décadas seu grupo de carimbó "Os Canarinhos".
O Carimbó é um ritmo afro-ameríndio
nascido ainda no século XIX no Pará. Permaneceu durante mais de 100 anos
restrito ao interior do estado, junto a determinadas comunidades ribeirinhas e
praianas. O gênero não teve grande penetração na capital Belém até a década de
70 do século XX. Porém, foi nessa década que bens culturais nacionais
produzidos pela industria cultural brasileira passaram a ser consumidos em
larga escala. No Pará um reflexo desse
momento aconteceu quando, pela primeira vez em sua história, o carimbó, até
então um ritmo musical interiorano, passa a interessar a população da capital
paraense por conta do primeiro disco do cantor
Pinduca, lançado em 1973. Apesar de Verequete (vinculado ao carimbó
tradicional) ter lançado o primeiro disco do gênero em 71, foi com Pinduca e
seu carimbó inovador (misturando o tradicional - sopros e tambores - e o
moderno - guitarras, baixo e bateria) que o ritmo paraense até então adormecido
(com uma origem mais antiga que o ritmo tido como nacional, o samba) conseguiu
vir a tona e se consagrar na capital paraense. Seu disco de estréia vendeu 15
mil cópias, algo até então inédito no mercado local. Pinduca foi alçado
nacionalmente naquela década, tendo sido inclusive aclamado pelo estudioso e
folclorista brasileiro Luís da Câmara Cascudo
com a seguinte fala "sim
Pinduca você é mesmo o rei do carimbó!". Com o sucesso do gênero, surgiram
muitos selos interessados em gravar o ritmo.
É nesse contexto que ocorreu o convite para que Lucindo Rebelo e seu
conjunto "Os Canarinhos" viessem à Belém em 1974 registrar seu
primeiro (e único) disco. A gravação ao vivo em 2 canais foi feita no estúdio
da Rauland (ERLA) e o lançamento do long play efetuou-se pelo selo
RGE/FERMATA. Porém o LP não trouxe a
Lucindo e seu conjunto, dividendos. Mas entrou pra história como o primeiro
disco gravado em Belém exclusivamente por tocadores de carimbó residentes no
interior do Pará. O disco gravado por
Mestre Lucindo não alterou seu modo de vida: ele continuou a sua vida de
pescador e músico eventual na sua cidade natal. A natureza local era a
inspiração para o mestre compor suas belíssimas canções. Algumas delas se
tornaram verdadeiros hinos nas décadas vindouras como "Pescador",
"Maçariquinho", "Relampiando", "Menina Bonita",
"Peru do Atalaia" e "Adeus Morena". Segundo o professor e
pesquisador Antonio Maciel (autor do primeiro mestrado sobre o gênero -PUC
1983- cujo foco foram as letras de Lucindo), o pescador-poeta-caboclo traduziu
como poucos a vida interiorana praiana amazônica em suas músicas. Diz Maciel
também que o carimbó “[...] dando conta do seu dia a dia, no campo ou no mar,
relatando os seus conflitos sociais, políticos e econômicos [...], retrata a
vida do homem interiorano marginalizado e esquecido ao longo da história”.
Quando Lucindo faleceu aos 80 anos em 1988, vivia de forma muito modesta,
praticamente ignorado. Infelizmente não pôde desfrutar do "revival"
que outros mestres obtiveram nos anos 90 e 00, quando a cultura paraense
acabaria finalmente tendo destaque nacional para além de realces eventuais. Entretanto
o legado ficou. Sua música continua sedo perpetuada por inúmeros tocadores de
carimbó e também músicos em geral, influenciando gerações. E assim a poesia de
Mestre Lucindo permanece viva como parte integrante do imaginário cultural
paraense.
Por Bruno Rabelo
Digitalização e masterização digital do LP: André
Macleuri
André Macleuri e Bruno Rabelo, só agora tive a oportunidade de olhar o blog. Que trabalho bonito este que vcs estäo fazendo. Meus parabéns. Na época que eu e outros historiadores pesquisamos a história do carimbó, das guitarradas etc, muito dos discos nao foram encontrados. As vezes era necessário contar a história sem ter ouvido as gravacoes originais, que eram raras. Baseavamo-nos nas entrevistas com artistas, fontes impressas, memórias, e um ou outro disco existente nos acervos. Esse trabalho de vcs supre essas deficiências, pois coloca para acesso de todos os discos originais. Iniciativa importantissima para a história da música amazonica e brasileira. Grande abraco.
ResponderExcluirTony Leäo.
Obrigado, Tony Leão! Foi trabalhoso, mas valeu muito a pena. Lembro dos anos 90, quando comecei minha saga antes do mp3, era dureza! E ainda há muitos LPs a serem digitalizados. Eu e Mac estamos já com alguns discos na agulha! Uma curiosidade: esse LP entrou no spotify recentemente, o que causou a remoção dele no nosso canal do youtube. Provavelmente a gravadora multinacional "dona" dos direitos solicitou o impedimento... abraços!!
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